quarta-feira, 23 de outubro de 2019

6

Almas minhas, gentis, ou o crl

Seria de esperar que a história que tenho estado a contar fosse do interesse geral. Nesta altura, o normal seria já ter sido acusado de mrds e o crl. O Saramago escrevia verborreias sobre o Caim e era o Deus-me-livre. Eu exponho podres sobre gente importante de Guimarães e arredores, envolvendo casos de pedofilia, prostituição, lenocínio, genocídio e o crl e ninguém quer saber. Çafôda. Na verdade não faço nada disso. Cruzes credo, que isto é tudo boa gente, o máximo que ouço falar é de antropofagia, coprofilia e bruxedo homicida. Eu cá não escrevo para o CM. Faço boa literatura. Se duvida, leia Joyce. Leia Proust. Eu escrevo da mesma maneira (mal, mas de forma artística), mas melhor. Se duvida, leia Joyce e prove que ele era mais engraçado que eu. Se o fizer, terá lido Joyce, o que é bom. Tê-lo-á comparado comigo, o que é melhor. E terá lido Joyce (acho que já disse isto), o que o tornará uma pessoa excepcional. Não prometo envolver-me intimamente consigo por causa disso, mas ao menos haverá bons preliminares para uma boa zanga intelectual e uma dramática separação. Se há coisa que a vida me ensinou é que Pedro Chagas Freitas pode ser péssima pessoa e pior escritor, mas quem o lê não é pior (pode até ser infinitamente melhor) que quem lê Proust ou Joyce. Conheci uma pessoa que adora Proust. E votou Bolsonaro. Conheci uma pessoa que não leu Proust, mas que deve ter lido, com toda a certeza, Joyce, e mais valia ter ficado pelo Mein Kampf e pelo Capital. Há coisas que mais vale não salpicar de erudição. Fica a erudição com má fama e a filha-da-putice com cheiro a incenso.

Os meus bravos cavaleiros da Távola Redonda, quando souberam que eu estava sem telemóvel, tendo ele partido para uma demanda que só o Indiana Jones teria alguma vez unhas para dar como satisfatoriamente resolvida no terceiro capítulo das suas aventuras, juraram, quais discípulos desatentos na última ceia, dar a vida por mim. Mas, ó desventura, muita coisa se passou entretanto e nuvens carregadas traziam em si as causas nunca devidamente explicadas da trovoada. Uma funcionária, ou auxiliar de educação, antes chamada de contínua (que é o contrário de discreta) e que hoje se deve chamar de assistente operacional e que dá pelo nome de Messalina, Herodíade ou Pompeia, não sei bem, e que até agora não foi nomeada, confirmou-me que o bicho tinha fugido para parte incerta. Tendo eu que justificar os minutos que o Estado me paga, que não sou de nenhuma etnia nómada mercantilista com simpatia da esquerda e com simpatia pela direita, lá pus os meus putos a verem a dissecação de uma galinha. Não sei se o PAN vai complicar a vida aos professores de ciências por tão bárbara e antiquada forma de mostrar como é que a bicharada é por dentro, mas penso que sempre poderei contar com o apoio do fascista encarnado que, se por piolhices da apolítica compaixão seletiva por seres vivos de espécie diferente e de duvidosa consciência, esta quiser proteger as crianças da malvadez carniceira da ciência experimental, entenderá apoiar, por ser boa e edificante para a raça lusitana, a dissecação de sapos num DAC com o sapo Cocas, com a ajuda de TIC e da Sapo, mais a participação especial dos Bombeiros Sapadores de Sapais, as queijadinhas da Sapa e de todos os agentes saponifocantes que as ciências químicas descobriram para bem da segurança de quem não é cigano e até é capaz de beijar sapos sem medo de herpes ou, quiçá, com esperança de algum efeito psicotrópico ou enlace matrimonial com um filho do Dom Duarte. Os meus bravos cavaleiros e gentis donzelas, eles de desembainhados fuzis e de desembainhadas espadas, elas, davam gritos de horror e satisfação perante os golpes no pescoço do pito, peito abaixo, só para mostrar o papo, moela e proventrículo do pobre animal, fruto doloroso da árvore do lucro e do mal. Ainda se falou na cloaca, quando a Dona Salomé chegou com a notícia. Alegrai-vos ó Céus e ó Terra, que a Excalibur, o Santo Graal e o túmulo de Maria Madalena foi encontrado e não foi no Louvre. Santo Estêvão sofreu pedradas na tromba, coitado, para a sua santidade ser justificada foi preciso este momento. E houve júbilo. E os sinos da Igreja do Santo referido repicaram e é triste que ninguém vá acreditar, devido à barroca forma das minhas escrituras (e julgarão, por Ventura, que não sei escrever porventura), e mais triste porque a verdadeira razão daquele repicar dos sinos de Santo Estêvão de Urgezes foi, com certeza, a morte de alguém. Nada se infere daqui. Júbilo de um lado. Choro do outro. Assim é o mundo. E por hoje fico por aqui. 

Sem comentários:

Enviar um comentário