segunda-feira, 30 de março de 2015

Golgotha, de Frank Martin


A Semana Santa em Braga não é feita apenas de procissões para turista ver. Costuma haver também alguns eventos que podem interessar a públicos devotos de outras transcendências. Amanhã, na Sé de Braga, às 21 e 30, será apresentada uma das obras corais mais importantes do século XX. E tão importante quanto pouco tocada (até porque nunca foi editada em forma impressa), pelo que a oportunidade torna-se ainda mais relevante e imperdível. Com a Orquestra Filarmonia das Beiras e o Coro da Sé Catedral do Porto sob a direção do Cónego Ferreira dos Santos, usando para o efeito as partituras originais, alugadas.

Frank Martin, nascido numa família calvinista, escreveu esta obra como reflexo das suas preocupações metafísicas decorrentes de um quarto de século sangrento e absurdo que ecoaram numa alma sensível e religiosa mas incapaz de se rever na totalidade numa religião instituída. Não foi um autor protestante nem católico, mas sempre se mostrou impressionável perante o imaginário da Paixão de Cristo, por ele sentida como a Paixão da própria humanidade, entregue a uma trágica condição de violência e assombro para a qual procurava, ainda, assim, um sentido de redenção. A obra de Rembrandt "As Três Cruzes" serviu-lhe de inspirada epifania, embora já desde os seus 12 anos a "Paixão de São Mateus" de Bach lhe tivesse tocado a alma de forma indelével.

Em termos musicais, Frank Martin foi tão classificável quanto em termos religiosos. O dodecafonismo de Schonberg coexiste de forma estranha, obviamente mística, com o cromatismo das obras corais-sinfónicas de Bach. A música sacra de Frank Martin é intimamente religiosa e o autor preocupava-se com a possível profanação da mesma quando ouvida por ouvidos que nela apenas procurassem o prazer estético. Preocupação algo vã, na minha agnóstica opinião, já que o prazer que um ouvinte ateu ou agnóstico poderá ter de obras suas ou de Bach não será menos espiritual por não ter a referência implícita da crença num Deus específico. Um ateu pode não crer em Deus mas, sendo humano, procura sempre um sentido transcendente nem que seja pela via da Ética. Um ateu pode, e a meu ver é, até mais frequentemente que um crente, tocado pela compaixão em contraste com o interesse intrinsecamente egoísta e tomado pela santa vaidade das almas religiosas. Por isso, se entrar na Sé de Braga amanhã, Frank Martin, se repousar entre os justos (e repousará, certamente, se repouso houver depois da morte) poderá acariciar as frias, violentas e autoritárias paredes do templo com a serenidade e solenidade que merece.


Sem comentários:

Enviar um comentário