segunda-feira, 2 de julho de 2018

A morte heroica de Federico Garcia Lorca


A suposta fotografia histórica do fuzilamento de Federico Garcia Lorca.



Ultimamente, tenho verificado um acréscimo, no que diz respeito à divulgação de informação falsa, entre as pessoas que defendem as coisas acertadas. Defender a escola pública é acertado. Defender a liberdade de expressão e de associação cívica e política é acertado. Defender uma cultura livre de crueldade gratuita, incluindo sobre animais, é acertado.

Penso que é um sinal de cansaço. Quero acreditar que é apenas um sinal de cansaço.

Os exploradores, os egoístas, os moralistas religiosos, os fariseus e os saduceus da nossa sociedade, vulgarmente disfarçados de conservadores e, por vezes, de libertários (justamente designados de liberotários por quem não os grama, como eu), são peritos nesse género de corrupção do imaginário coletivo. Porém, a esquerda parece estar a ser ocupada por esta doença da mentira útil.

Não contem comigo para tal peditório. Uma mentira é o contrário da verdade. Eu dou cara pela verdade. Se houver verdades inconvenientes, terei tempo para nelas me angustiar e nelas me calar. Não me calhou tal martírio.

Hoje deparei-me com uma foto extraordinária no Facebook. Dizia que era uma foto histórica do fuzilamento de Federico Garcia Lorca.

Agosto de 1936. O suposto Federico Garcia Lorca, muito mais parecido com o Gabriel Garcia Marquez, aparece com o punho direito fechado a “declamar” o seu último poema. Causa-me uma tremenda confusão esta necessidade de tornar os últimos momentos de algumas personagens em atos de bravura estética, como se estes últimos momentos definissem a pessoa. Federico Garcia Lorca pode ter chorado baba e ranho. Muito dificilmente terá morrido naquela pose. Não é isso que interessa. O seu assassinato foi um ato covarde. Pouco interessa, aliás, as razões que levaram ao mesmo, exceto as que se prendem à ignorância e ao totalitarismo. Se Lorca foi corajoso nas suas escolhas e no seu caminho de liberdade, pouco interessa como morreu. Pode ter morrido de cabeça erguida. Acredito que sim. Mas também pode ter morrido a suplicar. Quem o sabe? Não há registos de tal triste momento.

A sua morte pode ser dramatizada. A sua morte pode ser dada como exemplo. Pode ser romanceada. Quando morremos, deixamos de ser pessoas. Passamos a ser aquilo que deixamos. Lorca deixou muito. Deixou tanto, que não precisa de fotografias falsas da sua morte. Digam que aquela fotografia é inspirada em Lorca. Porque é. Inspirada nele e em outros que morreram pela liberdade e pela verdade. Mas não passem a ideia, sequer, de que aquela imagem é fiel a um acontecimento histórico trágico e que merece o nosso respeito. Isso começa por fazer-se respeitando a verdade.

A foto em questão é apenas uma imagem retirada de um videoclipe de uma banda espanhola chamada Boikot, numa canção que dá pelo nome de 'Lágrimas de Rabia” e que é, de facto uma homenagem, a quem, como Lorca, morreu às mãos do obscurantismo. Podem verificar isso aos 2 minutos e 14 segundos.


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