terça-feira, 28 de abril de 2020

Histórias sem história 1

O dia em que um macaco contou pela primeira vez uma história não foi contado pela história. Quem conta histórias nem quer pensar nisso e, por isso, quer contar a história a partir do momento em que o ato efémero de recriar e inventar acontecimentos ultrapassou o nobre momento em que as almas se tocam na penumbra do que nunca aconteceu e que, por isso mesmo, desvela mais claramente aquilo que sempre acontece e, passando, parece que perdura. Um macaco, digo eu macaco porque é a palavra que as histórias a mim trouxeram, terá contado, um dia, um incidente. E não terá sido uma informação útil. Onde há fruta. A morte de outro macaco. A aproximação de um predador. Terá sido uma história. Um momento inútil a que os outros macacos terão reagido de formas inéditas. Sem predador, terão gritado de pavor. Sem morte ter-se-ão contorcido de angústia. E o macaco mentiroso terá percebido que, tendo mentido, tinha feito, quase de raiz, um mundo novo. Onde todos os que ouviam achavam lugar. Foi o primeiro dia. A primeira luz. No início, o verbo. A ação. O crl. Não sei como foi. Mas terá sido bonito. Às vezes, tenho essa impressão de estar a assistir algo de primitivamente belo. É apenas uma impressão. Uma mentira. Um sopro. Um verbo. Um tempo sem modo. Sem modos. Sem maneiras. A surpresa imprevista de fazer ver o que não existe porque se utiliza como tinta a realidade que inegavelmente existe em nós e, por isso dizemos que sim, existe. Enganados, exultamos. Embriagados de poesia, acordados em sabedoria, confundidos em filosofia e mergulhados, atolados, na mais bestial, animal e fortuita fantasia. E é a essa história que chamamos verdade.