segunda-feira, 27 de abril de 2015

Da ininsistência


Para o cristianíssimo apóstolo, bem amado das mais pagãs e sedutoras divindades,
Paulo Brabo



O tempo, que não existe, tudo destrói.
Tudo corrói
Tudo.
O tempo tudo anula,
Tudo engole,
Tudo apaga,
Tudo arrasa
Tudo.
Caem os Impérios, revelam-se os mistérios,
Povoam-se ermitérios e nascem vivas,
ressurretas,
as almas mudas, esquecidas, dos cemitérios.
O nada explode,
O tudo encolhe,
O algo foge.
O burro aprende.
O inevitável suspende o seu olhar
E retrocede.
O maior inimigo, rendido, cede.
O Tempo tudo constrói
sobre os membros mortos das suas vítimas.

O Tempo, que não existe, insiste em ser,
e, não existindo, nele tudo insiste em converter.

sábado, 18 de abril de 2015

Legendas I

Anémonas

Fritilárias

Aquilégias

Moedas-do-papa

Rosas-macartney

Lírios-da-filadélfia

Dedaleira

Papoilas-de-shirley


Daqui:



terça-feira, 7 de abril de 2015

vii

Paulo Brabo, pegando num texto de Elliott Colla, professor de literatura árabe na Universidade de Georgetown, em que este relativiza a barbárie iconoclasta islâmica, expõe, no seu pensamento claro e luminoso que aquilo que é património histórico mundial, ou assim é classificado pelas "elites ocidentais" é "santo" ou "sagrado" porque é único e insubstituível e não porque as elites impõem a sua veneração. Os sítios arqueológicos destruídos por aquela laia rasca e abominável de gente são sagrados de forma absoluta da mesma forma que as vidas humanas ceifadas pela demoníaca iniquidade destas bestas porque tanto estes como estas, ao retornarem ao pó, não têm meios de ressuscitar a não ser por uma muito improvável intervenção divina. E de intervenções divinas estamos falados. Deus ainda dorme no nada, e se encarnou ou empeixou, já foi comido pelos abutres da inexistência. Ou da indiferença, que é pior. Por outro lado, D. Jorge Ortiga, eminência parva (não parda, que colorido é ele), apela, segundo o Diário do Minho de 5 de Abril passado, contra o "silêncio ensurdecedor" dos crentes que permitem o ataque à venerável instituição que é a "família cristã" e que segundo este pensador de meia tigela, deveria ser alcandorada à condição de património imaterial da humanidade. O fado é, o cante alentejano é, o samba também, logo, a família cristã também. A família é a unidade central de quase todas se não todas as sociedades, sejam elas ocidentais ou não. O que este senhor, na sua retórica fascista pretende, resume-se à eliminação da variedade. A destruição de património histórico é profanação porque empobrece a variedade das manifestações humanas a que temos acesso para estudo e usufruto, tal como a profanação de ambientes selvagens e o ataque à biodiversidade. Insistir que a variedade de comportamentos humanos que se fundam no amor entre pessoas é detestável apenas porque não cumprem as regras de uma instituição muito conhecida pela sua história de maldade e pelo seu presente inquinado por práticas corruptas e perversas, é comparável ao absurdo da teocracia islâmica. É um puro desrespeito pela caraterística que tornou o ser humano - que digo eu: que tornou a vida - aquilo que é.

segunda-feira, 6 de abril de 2015

vi

A caraterística distintiva do fascismo é a importância dada aos interesses corporativos em detrimento dos interesses individuais, necessariamente conflituantes. O fascista defende a união e o consenso. A sociedade é vista como um feixe (fasci, em Italiano) de forças sociais amarradas por valores que não podem ser questionados, como a tradição, a Pátria, a religião e o líder. O indivíduo é apenas valorizado quando o seu carisma lhe concede autoridade devido ao seu poder económico (os magnatas que se agarram como saprófitas ao regime instaurado) ou simbólico (nomeadamente membros do alto clero). O indivíduo é valorizado enquanto possível líder; enquanto varão ilustre. Nunca enquanto pessoa. A retórica fascista pode por vezes dar a ideia de que se preocupa com alguns indivíduos. Com as crianças (mas apenas porque são os reforços que permitirão a manutenção do regime); com os velhos (apenas enquanto símbolo da tradição, das raízes, da raça) e com as mulheres, vistas como seres frágeis cuja utilidade reside meramente na maternidade, embora creia que regimes fascistas modernos pudessem perfeitamente adaptar-se a uma outra imagem da mulher. As dilmas-guerrilheiras, num lado do espectro, e as mérkeis-arautas-das-virtudes-do-capitalismo demonstraram à saciedade que a mulher também pode fazer parte da estrutura de força e autoridade do estado, seja a que nível for no organigrama militar e policial. A mulher serve tão bem como o homem para carne de canhão. Os métodos contracetivos acabaram com a fatalidade da maternidade - em vez de dar vida, as mulheres passaram a ter ao seu alcance um destino homicida, caso sintam que esse é o caminho que dá significado à sua passagem por aqui. Enfim, hoje, ainda mais que no tempo de Benito Mussolini, um regime fascista seria (e é, porque há elementos de fascismo na opinião pública atual cada vez mais fortes e inquestionados, a não ser pelas aves raras do esquerdismo mais intelectual a que ninguém dá crédito) o regime da morte do indivíduo. Da morte da personalidade e da diferença. O regime do nojo e da proibição. O fascista odeia aquilo que o enoja, não aquilo que considera injusto. Odeia o pedófilo porque o abuso de crianças é nojento - não porque é uma violência sobre um ser humano. Odeia o estrangeiro porque tem uma pele nojenta, um cheiro nojento, um sotaque nojento. Odeia aquilo que o enoja, não aquilo que considera injusto.  Nada é injusto se serve a Glória da Nação.

A direita em Portugal não é necessariamente fascista, embora viva embebida de conceitos e valores fascistas. Por isso, pode reclamar para si alguma defesa do indivíduo, em contraste com a defesa do coletivo pela esquerda. Entenda-se, contudo, que, tal como já disse, o indivíduo apenas interessa a esta ou a qualquer outra direita, dita fascista ou não, enquanto líder das forças unidas e consensuais da sociedade, enquanto empreendedor capitalista.

domingo, 5 de abril de 2015

Dos anjinhos aos pés da Virgem do Sameiro

Que o Santuário do Sameiro é um monumento ao fascismo quase toda a gente sabe. Hoje, chamou-me a atenção os pés gastos da apocalíptica Senhora. Os devotos peregrinos passam as mãos, rente à cabeça da serpente calcada e persignam-se perante tamanha autoridade. Contudo, olhando mais abaixo, apercebemo-nos que não é apenas a serpente a sofrer com o peso da imaculada. Os anjinhos são puras personagens de um filme de horror. Crianças presas num suplício que a sua inocência não consegue explicar.

v

Talvez seja romantismo primário, mas onde os Bracarenses vêem um Bom Jesus de cara lavada vejo eu pedra erodida. Os profetas e as figuras alegóricas nem sempre se conseguiam identificar debaixo dos líquenes neles depositados por um século de humidade minhota. Agora, o granito aparece no seu estéril resplendor fazendo lembrar cimento, e custa-me a crer que esta violenta raspagem não encurte a vida das escultóricas figuras, como o São Longuinhos, rodeado de andaimes, pronto para a lavagem.

À espera do compasso pascal

A sombra do muro estraga o enquadramento. Esta é a versão deste ano. Mais eucarística.

quinta-feira, 2 de abril de 2015

iii

Segundo José Torres, presidente da Associação de Artesãos do Minho, ou segundo Avelino Lima, jornalista do Diário do Minho, ou segundo o tipógrafo  (ainda há disso?), no "Mercado da Páscoa" a decorrer em Braga até Sábado, há uma oficina do "pão dízimo", que foi o pão comido por Jesus Cristo na última ceia.
Será que um pão dava para dez pessoas?
OK. Vou ser didático. O dízimo era a décima parte do rendimento que os crentes judeus tinham de pagar aos sacerdotes. Regra doutrinal que depois foi praticada, sendo às vezes obrigatória e outras vezes voluntária, dentro de outras denominações religiosas ou como imposto civil  em vários Estados ao longo da História. Nada a ver com o pão ázimo, ou pão sem fermento usado pelos judeus nas suas Festas da Páscoa, de acordo com as indicações de Moisés.
Assim se fala em bom religionês.