sábado, 28 de março de 2015

Oryza sativa

Em cada bago de arroz há uma lágrima.
E sendo a lágrima a mais poética
E lírica das secreções – em princípio, e sem indecências,
Em cada bago de arroz há uma rima em branco
E no prato, uma sentença.
Não há no arroz servido nenhuma indiferença
Ao franco sentimento de quem o come.
Que quem come arroz nota perfeitamente,
Em cada bago, como é concreta
A secreta dor da lama onde nasceu –
O arroz, e eu – nós todos, já agora.

Em cada bago de arroz há uma lágrima
Arrancada à casca escura e dura
Dos olhos que se recusam a chorar.

Mas é evitado.
Em cada bago de arroz,
Podes escrevê-lo
– Ainda que nem tenha por grande hábito comê-lo –
Em cada bago de arroz há uma lágrima.
Nascida e proibida de germinar.
É por isso que
Em cada bago de arroz há uma lágrima
Por chorar.

Mas em cada lágrima que me serves,
Perfumando as horas em que as choras
Com as marcas escuras que se desenham
Em arabescos de tristeza
Na tua face, há sementes
E flores escondidas no seu secreto embrião.
Em cada bago de lágrima
Descascado da casca onde te encerrei,
Eu sei,
Há uma semente
– A única semente –
Capaz de criar raízes no meu corpo
Com a violenta ternura da tua voz.
Porque entre nós,
Podes escrevê-lo
– Ainda que nem tenha tido por grande hábito comê-lo, –
Estará sempre pendente o beijo
Que falta dar.

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